Charles Melo
Nem
tudo o que dizem por aí é a exata expressão da realidade. Poetas e
cantores tentaram definir o que é o amor. Vinícius de Morais o expressou
nesses termos: “Que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja
infinito enquanto dure”. Jorge Vercilo cantou assim o amor: “O amor se
fez me levando além onde ninguém mais. Criou raiz, ancorou de vez, fez
de mim seu cais lendo a rota das estrelas”.
Sabe o
que é interessante nessas poesias sobre o amor? É que elas manifestam a
opinião popular sobre o amor. Nem sempre terão razão, pois a teologia
popular nem sempre expressará a realidade objetiva. É altamente
questionável a validade da máxima: “a voz do povo é a voz de Deus”.
De
acordo com os dicionários, amor tem sido definido como “sentimento que
impele as pessoas para o que se lhes afigura belo, digno ou grandioso;
forte inclinação, de caráter sexual, por pessoa de outro sexo; afeição,
grande amizade” (Dicionário UOL-Michaelis – outros dicionários seguirão a
mesma linha). A primeira coisa que salta aos olhos nessa definição é o
caráter espontâneo que atribuem ao amor, como se ele tivesse vida
própria e volição independente. É o caso do Jorge Vercilo, que se
retrata como alguém carregado pelo amor e impelido por ele. Já o mais
famoso dos poetas da MPB, Vinícius de Morais, o retratou como “chama”.
Sendo assim, não é eterno; pode se apagar. Então ele encerra com um dos
mais belos paradoxos do ponto de vista poético: “que seja eterno
enquanto dure”.
Embora seja belo o paradoxo, não é exatamente isso o que a Bíblia diz sobre o amor. A Bíblia retrata o amor de duas maneiras: “phileo”, que denota amizade; e “agapao”,
que em algumas passagens denota intensidade, e afeição no sentido moral
e social. Alguns o retratam como incondicional (como o “amor de Deus”
ou o de Demas pelo presente século – 2Tm 4.10). Em definição, não difere
muito do que os dicionários dizem, mas destoa muito da noção popular.
Na concepção geral, o amor é um sentimento autônomo e que governa a
mente, a vontade e as emoções. Enquanto ele se faz presente, move o ser
humano para lá e para cá. A partir do momento em que ele se retira (por
uma espécie de “vontade própria”), aí não há o que fazer.
Enquanto
penso nessas coisas, me vem à mente uma dúvida. Se é assim, por que a
Bíblia ordena que amemos a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a
nós mesmos? Veja: “Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu
coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de todas as
tuas forças. (...) Amarás ao teu próximo como a ti mesmo” (Mc 12.30,31).
Vou mais além. Se o amor é um sentimento espontâneo e de “vontade
própria”, por que Paulo ordenou: “Maridos, amai vossa mulher como também
Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela” (Ef 5.25)? Meu
ponto é o seguinte: Amor não é espontâneo; é fruto de uma decisão. Isso
faz com que esses mandamentos da Bíblia façam sentido. De outra forma,
pareceria insano que o Senhor ordenasse o amor a Deus e ao próximo.
Essa
maneira de ver o amor traz muitas e sérias implicações. Em primeiro
lugar, a noção popular de que eu preciso sentir o amor em meu coração
para depois demonstrá-lo a alguém é uma falácia. Há pessoas que não amam
ao próximo e dizem que não podem fazer nada, porque esse sentimento não
brotou em seu coração ainda. Na verdade, a falta de amor (para não
dizer ódio) foi fruto de sua decisão e, para justificar, apela à falta
de espontaneidade do amor. Não temos escolha. Temos que amar nosso
próximo! Quando o amor se torna fruto de uma decisão em nossa vida, o
convívio se torna mais saudável e a reconciliação mais fácil.
Em
segundo lugar, aqueles que enfrentam crise no casamento e alegam que o
amor esfriou e que, assim, não podem mais fazer nada não possuem razão
para tal alegação. O amor não é uma chama que se apaga por si só. É uma
ordem do Senhor para que seja cultivado e mantido. O amor no casamento é
fruto de uma decisão também. Eu decidi amar minha esposa porque entrei
em aliança com ela. Curiosamente, Isaque primeiro se comprometeu com
Rebeca; depois a amou (Gn 24.67). Hoje o casamento tem sido banalizado
por causa dessa visão de que o amor tem que ser espontâneo. Hoje eu
“amo”, então me caso. Amanhã “não amo mais”; me separo. Essa é a
filosofia das novelas e dos livros de romance. A Bíblia diz: seja fiel à
aliança; ame! (Ml 2.14; Ef 5.25). O amor é uma decisão!
Depois
de ler isso, alguém pode se perguntar: o que posso fazer para que o amor
seja cultivado, como fruto de uma decisão? Antes de mais nada, por mais
ridículo que pareça dizer isto, ame! Decida amar. No caso dos casados,
ame sua esposa, ame seu marido. Fale de seu amor, promova momentos
agradáveis; evite as brigas e palavras grosseiras. Abuse dos presentes,
do carinho, do abraço afetuoso. Surpreenda com flores, com um
telefonema. Nos outros casos, do convívio fraternal, tenha consideração
por seu próximo, mesmo porque ele foi feito à imagem de Deus. Pense
sobre ele: “será que ele está bem? Será que está feliz? Como posso
ajudar?” A Bíblia diz que devemos considerar “uns aos outros para nos
estimularmos ao amor e às boas obras” (Hb 10.24). Faça do amor sempre
uma decisão positiva. Ame a Deus! Ame ao próximo! Porque da obediência a
estes mandamentos dependem toda a lei e os profetas.
Fonte: E a Bíblia com isso?
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